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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Bate Papo #4 - Pablo Miyazawa


Pablo Miyazawa é o homem que revolucionou o chamado “jornalismo de games” no Brasil. Numa época em que esse gênero nem engatinhava, ele desbravou novas possibilidades através da primeira revista oficial do país. Graças ao veículo para o qual trabalhou no começo da carreira, pôde cultivar um público leitor que cresceu com seus textos. Hoje, Pablo Miyazawa é o editor-chefe da edição brasileira da revista Rolling Stone e um dos jornalistas mais respeitados em sua área. Já escreveu para publicações como a Folha de S.Paulo, EGM Brasil, Nintendo World, Herói, Clube, além de vários sites e blogs.

É verdade que você estava em dúvida entre jornalismo e agronomia ao escolher que faculdade fazer?
Na verdade, foi uma dúvida que passou pela minha cabeça no ano em que eu tive que escolher a carreira para prestar o vestibular. Eu sempre quis fazer jornalismo. Meus pais se conheceram na faculdade de jornalismo. Nunca exerceram, mas eu tenho toda uma história relacionada à comunicação em casa, pois meu pai trabalhou numa editora, então sempre tive contato com livros, revistas, imprensa... Eu nunca tive dúvidas de que queria jornalismo. Mas quando chegou o momento de escolher o que eu ia prestar, resolvi pensar melhor, ver se não havia alguma outra coisa legal. Eu estava em crise. Não de achar que jornalismo não fosse bom, mas que talvez eu devesse fazer outra coisa. Como eu sempre fiquei com a ideia fixa do jornalismo, eu nunca questionei isso até a hora de ter que escolher. Mas eu não tinha nenhum contato com o mundo da agronomia, salvo umas viagens ao interior pra visitar a família, então pensei que pudesse ser divertido estudar em Piracicaba. Mas passou, foi uma dúvida que me acometeu só por alguns dias. O jornalismo sempre fez parte da minha vida, trabalhei em banca de jornal... O jornalismo me escolheu, na verdade. Eu só coloquei essa dúvida na minha cabeça pra ter mais um pouco de certeza que realmente o meu negócio era com jornalismo. E acabou sendo mesmo.

Principalmente no começo você trabalhava com videogames. Quando surgiu esse interesse pelos jogos?
Minha relação com videogame é diferente. Acho que todo mundo teve essa fase de jogar muito videogame a partir dos 6 ou 7 anos de idade. Eu sempre joguei muito, era o que eu mais gostava de fazer. Eu nunca tive os videogames que eu queria ter, tive o Atari muito atrasado; o Nintendo quando já estava surgindo o Super Nintendo e o Mega Drive, então eu sempre fui meio atrasado. Mas eu sempre gostei de jogar, era o que eu mais gostava de fazer. Até meus 13 anos de idade eu só queria saber de videogame. Mas lá pelos 13, 14 anos eu comecei a ouvir rock e me interessar por música. Vendi meu videogame e comprei um contrabaixo elétrico, montei uma banda e só queria saber de rock. Parei de jogar videogame mesmo. Foram uns 4 anos que eu não joguei, tava muito por fora e nem me interessava em saber o que estava acontecendo. Foi na época em que o Playstation foi lançado. Eu trabalhava numa loja de CDs na época em que eu comecei a faculdade e estava interessado em música. Até que comecei a trabalhar na Gradiente atendendo telefonemas e dando dicas sobre jogos, sobre como passar das fases. Era um emprego bem interessante, muito mais pelo ineditismo da coisa do que pelo fato de ser com videogames.

E como foi o começo da sua carreira no jornalismo?
Eu estava me afastando do jornalismo naquele momento, mas eu não me importava muito, afinal naquela época – 1996 ou 1997 - a pressão para o estudante conseguir um emprego na área não era tão grande. A internet estava surgindo no Brasil e as oportunidades estavam aí. Eu não me preocupava muito não estar trabalhando no jornalismo, mesmo porque eu nunca tinha tido um emprego na minha área. Meus amigos da faculdade estavam começando a trabalhar em rádio, assessoria, jornal; e eu estava lá dando dicas de videogame. Mas foi por causa disso que eu consegui o meu primeiro emprego no jornalismo, pois eu estava lá [na Gradiente] quando surgiu a ideia de se lançar a revista oficial da Nintendo no Brasil. Eu, como estudante de jornalismo, fui uma escolha óbvia para colaborar com a revista que estava sendo criada numa parceria entre a Gradiente e a Editora Acme. Quando a coisa se tornou séria, eu comecei a pensar em trabalhar lá, afinal seria a chance de finalmente atuar na minha área. Eu não fui pra lá só porque era uma revista de games, eu simplesmente queria trabalhar como jornalista. O dono da Editora Acme era o André Forastieri, um jornalista que eu já admirava, e ele me contratou. Eu acabei entrando no jornalismo de games sem um plano, pois não existia jornalismo de games na época. Era uma coisa totalmente alternativa. Mas pra mim, que estava trabalhando atendendo telefonemas, era muito melhor escrever sobre algo que eu gostava e entendia. Portanto eu acabei começando no jornalismo numa área que não existia oficialmente no Brasil. O jornalismo de games era uma coisa ainda embrionária, não havia mercado, os leitores eram basicamente crianças que jogavam e quem fazia as revistas eram jornalistas experientes que não necessariamente se interessavam por jogos. Eu entrei como um especialista e dei muita sorte por começar em uma área nova e bastante divertida. O jornalismo de games antes consistia apenas de dicas e as revistas eram quase catálogos de publicidade. Nós começamos a introduzir matérias e uma linguagem mais jornalística. Isso foi minha maior escola.  Eu aprendi jornalismo fazendo jornalismo.

Você acha que o jornalismo de games é muito controlado pelas empresas de tecnologia?
Na Nintendo World, era bastante, pois ela era a revista oficial da marca Nintendo. No começo, tudo o que a gente fazia, escrevia ou colocava na capa passava pela aprovação da empresa. De certa forma, isso foi bom, pois me ajudou nos meus empregos futuros com revistas licenciadas, como foi o caso da EGM Brasil e atualmente da Rolling Stone. No caso da NW, a gente fazia de tudo para que ela não parecesse um catálogo da empresa, mas tínhamos que trabalhar subjugados às exigências da Nintendo. Houve momentos em que tivemos que mudar algumas coisas, como determinadas notas ruins para algum jogo ou uma capa que mostrava um personagem apontando uma arma para o leitor. Quando eu fiz a EGM, havia mais liberdade, pois ela não tinha ligação direta com nenhuma empresa. Mas a revista tinha seus anunciantes e já tivemos que lidar com a situação de dar uma nota ruim para um jogo que estava fazendo propaganda na revista. Mas, felizmente, nunca tive problemas de censura, de ter que alterar alguma coisa. Essa é uma questão que está no jornalismo como um todo, não só na área de games, e faz parte do trabalho do jornalista contornar isso para não enganar o leitor.

Você está empolgado com a nova geração de consoles?
Ah, na verdade desde a geração passada, na qual o Wii tomou um rumo diferente dos outros, a briga perdeu um pouco da graça pra mim. Eu sempre acompanhei de perto a empresa pelo fato de eu ter uma relação com ela, ter trabalhado lá. Sempre enxerguei a Nintendo com outros olhos, com uma visão mais pessoal. Quando eles optaram por seguir um caminho alternativo por saber que seria difícil brigar com os concorrentes em hardware, eu entendi que ela não servia mais pra mim como consumidor. Os jogos do Wii já não me interessam tanto quanto os de outros consoles já chegaram a me interessar. Nesse momento, eu perdi um pouco a conexão com a Nintendo. Passei a enxergá-la como uma alternativa, que tinha, obviamente, méritos, mas que não era pra mim. Eu tive que vencer um pouco o meu conceito com relação à Nintendo e acompanhá-los de longe. Então, o Wii U, dando continuidade a esse processo, continua sendo algo distante.Eu entendo que eles não vão voltar a brigar diretamente com a concorrência, pois não querem, não conseguiriam e têm um público gigante para explorar com jogos casuais. Para mim, é um pouco frustrante, pois eu sempre fui muito partidário da Nintendo, e queria que ela sempre progredisse, vencesse e que fosse aceita pelos hardcore gamers.Quando eu vi que isso não ia acontecer e que a Nintendo não era mais pra mim, eu me desiludi um pouco da guerra dos consoles. Passei a enxergar o Xbox e o Playstation como máquinas. Eletrodomésticos que servem para tudo: jogar, assistir filmes... e então eu perdi um pouco da paixão pelos consoles. Isso coincidiu com a minha saída do jornalismo de games e entrada na Rolling Stone.

Como foi sair do universo dos jogos ao entrar na Rolling Stone?
Eu pude começar a enxergar o mercado de games do lado de fora e tentar entender pra onde ele vai, de uma maneira muito mais teórica do que prática. Pra mim, o PS4 e o Xbox One são apenas máquinas novas. O que me interessa é saber pra onde vão os games, como as pessoas vão interagir com eles e qual o papel que os videogames terão. O engraçado é que hoje eu jogo muito mais; tenho muito mais contato com os jogos novos; faço questão de experimentá-los e não apenas falar sobre eles. Agora eu voltei a ser apenas um jogador. Não estou preocupado com qual console vai vencer a guerra, pois sempre terão máquinas novas e nós estamos à mercê das empresas. Mas o legal é que hoje existem alternativas, como as plataformas de celular, os jogos sociais... eles são games também. A gente fica muito atrelado aos formatos antigos dos consoles, mas eles são só mais um galho de uma floresta inteira. O mercado de games não é só isso. Hoje, todo mundo joga Candy Crush, Farmville, World of Warcraft, que não dependem de console nenhum. Eu estou muito mais preocupado com o todo. Pra onde vai? Estamos na geração Angry Birds, em que donas de casa jogam Candy Crush o dia inteiro. Não dá pra dizer que isso não é videogame. É que nós somos muito conservadores quanto a isso. Acho que olhar só a guerra dos consoles limita um pouco. É legal, claro que eu vou estar de olho na E3, mas estou me tornando cada vez mais um consumidor, e não um jornalista de games.

Hoje você trabalha numa revista de música. Que bandas ou artistas você gosta de ouvir?
Como a Rolling Stone tem uma aura de rock n’ roll embutida desde que ela surgiu, subentende-se muito que é uma revista apenas de rock. Mas meu próprio chefe diz que eu não tenho que fazê-la para mim, e sim com uma visão mais ampla. Eu ouço um pouco das coisas que saem, mas também as que eu sempre gostei. Sou um pouco conservador em relação a músicas novas. Tenho preguiça de procurar bandas novas. Eu cresci na época do Nirvana, também gosto do rock alternativo que surgiu mais pra frente. Acho que continuo meio atrelado a essas coisas. Claro que também ouço bandas dos anos 60 e 70, heavy metal... é lógico que eu não fecho os meus ouvidos para coisas novas que estão surgindo, mas não tenho essa necessidade de ficar procurando por elas. Eu ainda escuto muito o que eu gostava na adolescência, e não tenho vergonha de dizer isso. O fato de ser editor da revista implica que se conheça muito, mas não é exatamente assim. Não tem como acompanhar essa gente que fica o dia inteiro ouvindo música. Eu não posso ficar de fone no trabalho por exemplo. Eu ouço no meu ritmo.

E afinal, o jornalismo valeu a pena ou preferia ter ido para agronomia?
Com certeza, valeu. Sou grato por tudo o que sou hoje ao jornalismo e aos veículos que eu abracei. Acho que nem fui tão jornalista, mas mais um editor. Fui um formatador de conteúdo pra certos públicos. Existe o repórter, o jornalista nato, que trabalha em jornal, é curioso, escreve sobre tudo... eu nunca me fechei, mas tive muita sorte de sempre trabalhar com coisas divertidas que eu gostava. Não fui obrigado, felizmente, a escrever sobre economia, política... eu me interesso por esses assuntos no âmbito pessoal, mas é lógico que prefiro escrever sobre música, games, cinema, coisas que mexem comigo. Não sei o quão jornalista eu sou, ou se só estava no lugar certo, na hora certa. Sempre abracei novos projetos, e com isso as portas se abriram. E hoje eu estou aqui. Mas eu ainda penso em um futuro fora do jornalismo. Acho que algumas pessoas vestem a camisa e são jornalistas pra sempre, e outras veem o jornalismo apenas como uma fase da vida. No meu caso, uma fase de quase 20 anos.