Pablo Miyazawa é o homem que revolucionou o chamado “jornalismo de games” no Brasil. Numa época em que esse gênero nem engatinhava, ele desbravou novas possibilidades através da primeira revista oficial do país. Graças ao veículo para o qual trabalhou no começo da carreira, pôde cultivar um público leitor que cresceu com seus textos. Hoje, Pablo Miyazawa é o editor-chefe da edição brasileira da revista Rolling Stone e um dos jornalistas mais respeitados em sua área. Já escreveu para publicações como a Folha de S.Paulo, EGM Brasil, Nintendo World, Herói, Clube, além de vários sites e blogs.
É verdade que você estava em
dúvida entre jornalismo e agronomia ao escolher que faculdade fazer?
Na
verdade, foi uma dúvida que passou pela minha cabeça no ano em que eu tive que
escolher a carreira para prestar o vestibular. Eu sempre quis fazer jornalismo.
Meus pais se conheceram na faculdade de jornalismo. Nunca exerceram, mas eu
tenho toda uma história relacionada à comunicação em casa, pois meu pai
trabalhou numa editora, então sempre tive contato com livros, revistas,
imprensa... Eu nunca tive dúvidas de que queria jornalismo. Mas quando chegou o
momento de escolher o que eu ia prestar, resolvi pensar melhor, ver se não
havia alguma outra coisa legal. Eu estava em crise. Não de achar que jornalismo
não fosse bom, mas que talvez eu devesse fazer outra coisa. Como eu sempre
fiquei com a ideia fixa do jornalismo, eu nunca questionei isso até a hora de
ter que escolher. Mas eu não tinha nenhum contato com o mundo da agronomia,
salvo umas viagens ao interior pra visitar a família, então pensei que pudesse
ser divertido estudar em Piracicaba. Mas passou, foi uma dúvida que me acometeu
só por alguns dias. O jornalismo sempre fez parte da minha vida, trabalhei em
banca de jornal... O jornalismo me escolheu, na verdade. Eu só coloquei essa
dúvida na minha cabeça pra ter mais um pouco de certeza que realmente o meu
negócio era com jornalismo. E acabou sendo mesmo.
Principalmente no começo você
trabalhava com videogames. Quando surgiu esse interesse pelos jogos?
Minha
relação com videogame é diferente. Acho que todo mundo teve essa fase de jogar
muito videogame a partir dos 6 ou 7 anos de idade. Eu sempre joguei muito, era
o que eu mais gostava de fazer. Eu nunca tive os videogames que eu queria ter,
tive o Atari muito atrasado; o Nintendo quando já estava surgindo o Super
Nintendo e o Mega Drive, então eu sempre fui meio atrasado. Mas eu sempre gostei
de jogar, era o que eu mais gostava de fazer. Até meus 13 anos de idade eu só
queria saber de videogame. Mas lá pelos 13, 14 anos eu comecei a ouvir rock e
me interessar por música. Vendi meu videogame e comprei um contrabaixo
elétrico, montei uma banda e só queria saber de rock. Parei de jogar videogame
mesmo. Foram uns 4 anos que eu não joguei, tava muito por fora e nem me
interessava em saber o que estava acontecendo. Foi na época em que o
Playstation foi lançado. Eu trabalhava numa loja de CDs na época em que eu
comecei a faculdade e estava interessado em música. Até que comecei a trabalhar
na Gradiente atendendo telefonemas e dando dicas sobre jogos, sobre como passar
das fases. Era um emprego bem interessante, muito mais pelo ineditismo da coisa
do que pelo fato de ser com videogames.
E como foi o começo da sua carreira no jornalismo?
Eu estava
me afastando do jornalismo naquele momento, mas eu não me importava muito,
afinal naquela época – 1996 ou 1997 - a pressão para o estudante conseguir um
emprego na área não era tão grande. A internet estava surgindo no Brasil e as
oportunidades estavam aí. Eu não me preocupava muito não estar trabalhando no
jornalismo, mesmo porque eu nunca tinha tido um emprego na minha área. Meus
amigos da faculdade estavam começando a trabalhar em rádio, assessoria, jornal;
e eu estava lá dando dicas de videogame. Mas foi por causa disso que eu
consegui o meu primeiro emprego no jornalismo, pois eu estava lá [na Gradiente]
quando surgiu a ideia de se lançar a revista oficial da Nintendo no Brasil. Eu,
como estudante de jornalismo, fui uma escolha óbvia para colaborar com a
revista que estava sendo criada numa parceria entre a Gradiente e a Editora Acme.
Quando a coisa se tornou séria, eu comecei a pensar em trabalhar lá, afinal
seria a chance de finalmente atuar na minha área. Eu não fui pra lá só porque
era uma revista de games, eu simplesmente queria trabalhar como jornalista. O
dono da Editora Acme era o André Forastieri, um jornalista
que eu já admirava, e ele me contratou. Eu acabei entrando no jornalismo de
games sem um plano, pois não existia jornalismo de games na época. Era uma
coisa totalmente alternativa. Mas pra mim, que estava trabalhando atendendo
telefonemas, era muito melhor escrever sobre algo que eu gostava e entendia.
Portanto eu acabei começando no jornalismo numa área que não existia
oficialmente no Brasil. O jornalismo de games era uma coisa ainda embrionária,
não havia mercado, os leitores eram basicamente crianças que jogavam e quem fazia
as revistas eram jornalistas experientes que não necessariamente se
interessavam por jogos. Eu entrei como um especialista e dei muita sorte por
começar em uma área nova e bastante divertida. O jornalismo de games antes
consistia apenas de dicas e as revistas eram quase catálogos de publicidade.
Nós começamos a introduzir matérias e uma linguagem mais jornalística. Isso foi
minha maior escola. Eu aprendi
jornalismo fazendo jornalismo.
Você acha que o jornalismo de games é muito controlado pelas empresas de tecnologia?
Na Nintendo
World, era bastante, pois ela era a revista oficial da marca Nintendo. No
começo, tudo o que a gente fazia, escrevia ou colocava na capa passava pela
aprovação da empresa. De certa forma, isso foi bom, pois me ajudou nos meus
empregos futuros com revistas licenciadas, como foi o caso da EGM Brasil e
atualmente da Rolling Stone. No caso da NW, a gente fazia de tudo para que ela
não parecesse um catálogo da empresa, mas tínhamos que trabalhar subjugados às
exigências da Nintendo. Houve momentos em que tivemos que mudar algumas coisas,
como determinadas notas ruins para algum jogo ou uma capa que mostrava um
personagem apontando uma arma para o leitor. Quando eu fiz a EGM, havia mais
liberdade, pois ela não tinha ligação direta com nenhuma empresa. Mas a revista
tinha seus anunciantes e já tivemos que lidar com a situação de dar uma nota
ruim para um jogo que estava fazendo propaganda na revista. Mas, felizmente,
nunca tive problemas de censura, de ter que alterar alguma coisa. Essa é uma
questão que está no jornalismo como um todo, não só na área de games, e faz
parte do trabalho do jornalista contornar isso para não enganar o leitor.
Você está empolgado com a nova geração de consoles?
Você está empolgado com a nova geração de consoles?
Ah, na verdade
desde a geração passada, na qual o Wii tomou um rumo diferente dos outros, a
briga perdeu um pouco da graça pra mim. Eu sempre acompanhei de perto a empresa
pelo fato de eu ter uma relação com ela, ter trabalhado lá. Sempre enxerguei a
Nintendo com outros olhos, com uma visão mais pessoal. Quando eles optaram por
seguir um caminho alternativo por saber que seria difícil brigar com os
concorrentes em hardware, eu entendi que ela não servia mais pra mim como
consumidor. Os jogos do Wii já não me interessam tanto quanto os de outros
consoles já chegaram a me interessar. Nesse momento, eu perdi um pouco a
conexão com a Nintendo. Passei a enxergá-la como uma alternativa, que tinha,
obviamente, méritos, mas que não era pra mim. Eu tive que vencer um pouco o meu
conceito com relação à Nintendo e acompanhá-los de longe. Então, o Wii U, dando
continuidade a esse processo, continua sendo algo distante.Eu entendo que eles
não vão voltar a brigar diretamente com a concorrência, pois não querem, não
conseguiriam e têm um público gigante para explorar com jogos casuais. Para
mim, é um pouco frustrante, pois eu sempre fui muito partidário da Nintendo, e
queria que ela sempre progredisse, vencesse e que fosse aceita pelos hardcore
gamers.Quando eu vi que isso não ia acontecer e que a Nintendo não era mais pra
mim, eu me desiludi um pouco da guerra dos consoles. Passei a enxergar o Xbox e
o Playstation como máquinas. Eletrodomésticos que servem para tudo: jogar,
assistir filmes... e então eu perdi um pouco da paixão pelos consoles. Isso
coincidiu com a minha saída do jornalismo de games e entrada na Rolling Stone.
Como foi
sair do universo dos jogos ao entrar na Rolling Stone?
Eu pude
começar a enxergar o mercado de games do lado de fora e tentar entender pra
onde ele vai, de uma maneira muito mais teórica do que prática. Pra mim, o PS4
e o Xbox One são apenas máquinas novas. O que me interessa é saber pra onde vão
os games, como as pessoas vão interagir com eles e qual o papel que os
videogames terão. O engraçado é que hoje eu jogo muito mais; tenho muito mais
contato com os jogos novos; faço questão de experimentá-los e não apenas falar
sobre eles. Agora eu voltei a ser apenas um jogador. Não estou preocupado com
qual console vai vencer a guerra, pois sempre terão máquinas novas e nós
estamos à mercê das empresas. Mas o legal é que hoje existem alternativas, como
as plataformas de celular, os jogos sociais... eles são games também. A gente
fica muito atrelado aos formatos antigos dos consoles, mas eles são só mais um
galho de uma floresta inteira. O mercado de games não é só isso. Hoje, todo
mundo joga Candy Crush, Farmville, World of Warcraft, que não dependem de
console nenhum. Eu estou muito mais preocupado com o todo. Pra onde vai?
Estamos na geração Angry Birds, em que donas de casa jogam Candy Crush o dia
inteiro. Não dá pra dizer que isso não é videogame. É que nós somos muito
conservadores quanto a isso. Acho que olhar só a guerra dos consoles limita um
pouco. É legal, claro que eu vou estar de olho na E3, mas estou me tornando
cada vez mais um consumidor, e não um jornalista de games.
Hoje você trabalha numa revista de música. Que bandas
ou artistas você gosta de ouvir?
Como a
Rolling Stone tem uma aura de rock n’ roll embutida desde que ela surgiu,
subentende-se muito que é uma revista apenas de rock. Mas meu próprio chefe diz
que eu não tenho que fazê-la para mim, e sim com uma visão mais ampla. Eu ouço
um pouco das coisas que saem, mas também as que eu sempre gostei. Sou um pouco
conservador em relação a músicas novas. Tenho preguiça de procurar bandas
novas. Eu cresci na época do Nirvana, também gosto do rock alternativo que
surgiu mais pra frente. Acho que continuo meio atrelado a essas coisas. Claro
que também ouço bandas dos anos 60 e 70, heavy metal... é lógico que eu não
fecho os meus ouvidos para coisas novas que estão surgindo, mas não tenho essa
necessidade de ficar procurando por elas. Eu ainda escuto muito o que eu
gostava na adolescência, e não tenho vergonha de dizer isso. O fato de ser
editor da revista implica que se conheça muito, mas não é exatamente assim. Não
tem como acompanhar essa gente que fica o dia inteiro ouvindo música. Eu não
posso ficar de fone no trabalho por exemplo. Eu ouço no meu ritmo.
E afinal, o jornalismo valeu a pena ou preferia ter ido para agronomia?
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